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Por Instituto Escolhas

22 maio 2020

5 min de leitura

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Brasil exportou 29 toneladas de ouro em 2020 e parte dela extraída em garimpos ilegais na Amazônia, estimulada pelo preço do ouro no mercado internacional

A falta de controle sobre a cadeia econômica do ouro e diminuição na fiscalização incentivam o aumento da extração ilegal na floresta, mostra estudo divulgado pelo Escolhas

Com o aumento da demanda por ativos financeiros mais seguros, em um momento de crise econômica provocada pela pandemia da Covid-19, o preço do ouro disparou nos mercados internacionais e nos quatro primeiros meses de 2020, o valor das exportações brasileiras cresceu 15%, com a remessa para fora do país de 29 toneladas de ouro. O Texto para Discussão do Instituto Escolhas “A nova corrida do ouro na Amazônia” mostra o mapeamento dos maiores arrecadadores da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM), as concessões de lavras garimpeiras e os impactos econômicos e ambientais. O estudo foi divulgado hoje (21/05) durante o webinar “Expansão do garimpo na Amazônia em tempos de pandemia”, realizado pelo Escolhas em parceria com a Agência Rubrica.

O epicentro do novo boom do ouro está na Amazônia, estimulado também pelo movimento de legalização de garimpos e pela diminuição fiscalização ambien­tal sobre a atividade garimpeira. Os protestos dos garimpeiros, os interesses das instituições que transacionam o ouro se encontram num lobby organizado, segundo Marta Salomon, autora do TD. “Esse lobby é comandado pela Associação Nacional do Ouro (Anoro), que além de protestar contra a destruição de máquinas apreendidas pela fiscalização contra o garimpo ilegal, defende a revisão de um parecer da AGU que impede o garimpo em Florestas Nacionais (Flonas). O que está em jogo agora, antes mesmo da regulamentação da mineração em terras indígenas, é uma tentativa desse lobby para liberar o garimpo nas unidades de conservação, como as Flonas”, conclui.

A procuradora Ana Carolina Haliuc Bragança, Coordenadora da Força Tarefa Amazônia do Ministério Público Federal, falou o quanto o garimpo ilegal é uma atividade danosa às comunidades e ao meio ambiente e exemplificou. “O MPF produziu parecer indicando que a extração de um quilo de ouro na Amazônia de maneira ilegal gera 1,7 milhão de reais em danos ambientais”.

Ela destacou três pontos principais durante o debate. “O ouro extraído ilegalmente da Amazônia está no mercado lícito. É de origem ilícita, mas está circulando na nossa economia; os danos derivados da extração ilegal do ouro estão socializados; o sistema normativo de justiça a respeito da garimpagem não dá conta desses dois pontos.” A procuradora fez um alerta. “Esse ouro de origem ilegal que é extraído em diversos pontos da Amazônia tem adentrado na nossa economia por mecanismos que nós chamamos de lavagem de ouro. Operações do MPF mostram que a lavagem ocorre tanto do ouro como ativo financeiro, como também o ouro como mercadoria, destinado ao mercado de joias. Nós todos estamos na condição de consumidores sujeitos a utilização, no nosso dia-a-dia, do ouro que está vindo da Terra indígena Yanomani e Munduruku.”

Mais de 610 quilos de ouro de origem clandestina foram negociados por R$ 70 milhões entre ja­neiro de 2015 e maio de 2018, segundo o Ministério Público Federal (MPF), mostra o TD. ”Foi uma das maiores investigações sobre o garimpo ilegal e constatou a falta de controle sobre a cadeia econômica do ouro”, afirma o procurador Luís de Ca­mões Boaventura, ouvido no estudo do Escolhas sobre os dados e a denúncia, resultados de uma operação conjunta do MPF e da Polícia Federal (PF) batizada “Dilema de Midas”.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), representada no webinar pelo assessor jurídico, advogado Luiz Eloy Terena, destacou a importância da consulta prévia prevista pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) às comunidades indígenas e de manter a autonomia dos povos para “eles mesmos escolherem que tipo de futuro eles querem, escolherem o seu destino”. Na consulta, o Estado ouve 0s povos indígenas sua posição sobre decisões administrativas e legislativas que podem afetar suas vidas e seus direitos. “Temos as manifestações de vários povos e comunidades dizendo não ao garimpo. Tem que considerar a relação que os povos indígenas têm como seu território, com a sua mãe terra, e governo tem que estar aberto a dialogar com as infinitas diversidades de povos indígenas. No contexto de pandemia, as invasões e incursões ilegais nas terras indígenas continuam, como na Terra Yanomami, que tem mais de dez mil invasores”, revelou Terena.

Para o diretor de Geologia e Produção Mineral do Ministério de Minas Energia, Frederico Bedran, o garimpo não é apenas uma questão mineral e tão pouco uma questão de polícia. É um problema social. “O desafio não se resume a uma questão puramente de polícia e políticas isoladas ambiental ou mineral. Se hoje estamos com uma nova corrida [do ouro na Amazônia], temos que olhar de forma estruturante. É preciso monitorar o fluxo de compra e venda de ouro. O gargalo são os compradores, que devem ser fiscalizados”

A importância da imposição da lei para normatizar procedimentos de mineradoras e da garimpagem por meio da concessão da lavra garimpeira foi destacada pelo geólogo Luiz Antônio Vessani, diretor da Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral. Para ele os regimes, quando vigentes, garantem uma série de comprometimentos legais, trabalhistas e ambientais e falou da necessidade de soluções práticas. “Se nós colocarmos que em Roraima, um garimpeiro produz duas gramas de ouro por dia, só na área Yanomami a gente teria uma produção anual de cinco toneladas de ouro, se forem dez mil garimpeiros trabalhando. Aos preços de hoje seriam três bilhões de reais, que circulam anualmente em Roraima fruto da garimpagem. Não vai ser posição de ser contra garimpeiro que vai resolver a questão. Precisamos criar soluções que tenham viabilidade prática. A sociedade não está debatendo isso na devida profundidade”, concluiu.

O consultor em relações internacionais, mineração e assuntos militares; General José Fernando Iasbech, defendeu a mineração tradicional. “O garimpo legal, muitas vezes serve de lavagem para o garimpo ilegal. O caminho do crime é o caminho do dinheiro. Toda vez que temos lavagem de dinheiro, temos crimes associados a exploração do ser humano, ao trabalho escravo. A mineração tradicional organizada para grandes empresas é muito mais benéfica ao país, preserva e recupera o meio ambiente”

Em suas considerações finais, o diretor do Escolhas, Sergio Leitão, destacou a necessidade de ter mais dados para trazer informações e criar um processo de esclarecimento da sociedade brasileira. “É preciso saber quem ganha, quem perde, o volume, os beneficiários e os prejudicados. É preciso analisar todos os prejuízos causados ao meio ambiente, às atividades econômicas lícitas, ao sistema tributário. É preciso iluminar mais o debate sobre o garimpo e a mineração na Amazônia.”

Íntegra da gravação do Webinar “Expansão do ouro na Amazônia em tempos de pandemia”

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