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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

07 março 2018

5 min de leitura

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Entrevista do mês: Cláudio Lucinda

Para resolver questões de locomoção nas cidades, legislação deve induzir ocupação do centro

Para resolver a mobilidade urbana no Brasil, seria preciso mudar as cidades, o que demanda muito dinheiro e não está no conjunto de prioridades atuais – questões como segurança e saúde, por exemplo, são mais prementes. Necessitamos de algumas décadas de políticas púbicas consistentes para resolver a questão. Essa é a posição do economista Cláudio Ribeiro de Lucinda, professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP).

Segundo o pesquisador, mestre e doutor em Economia de Empresas e especialista em economia urbana e do transporte, é preciso ter política pública que estimule a reocupação dos centros urbanos, evitando o seu contínuo espraiamento. Sem isso, será muito difícil chegar a uma solução adequada para o custo do transporte público em cidades que não param de se espalhar, problema que não é só da cidade de São Paulo, mas também de Los Angeles, nos Estados Unidos. Lucinda afirma que o “transporte de massa vai ser sempre muito caro em cidades espraiadas”. Para o pesquisador, o pedágio urbano é um exemplo de solução interessante para a solução dos problemas de mobilidade, recomendando que sua implantação se faça com preços estabelecidos em razão dos horários de utilização.

Escolhas – Uma pesquisa realizada no final do ano passado pelo Instituto Escolhas e Instituto Clima e Sociedade (iCS) – Mobilidade Urbana & Baixo Carbono (https://escolhas.org/wp-content/uploads/2018/01/Pesquisa-Mobilidade-e-Baixo-Carbono-Escolhas.pdf) – mostrou que a população tem preocupação em relação à mobilidade, gostaria de votar em candidatos que se preocupem com a questão. No entanto, grande parte ainda pretende se locomover de automóvel (e comprar carros novos). Essa é uma boa direção para nossas cidades? Qual seria a melhor alternativa para melhorar a questão de transporte urbano do ponto de vista de qualidade de vida e econômico para a cidade?

Cláudio Lucinda – O problema do transporte é completo, porque tem muitas interfaces. Mas está relacionado com as escolhas realizadas pelo planejamento urbano no país para o formato das cidades, que ficaram mais espraiadas. A legislação, em geral, impede o adensamento. Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos mostrou que o único metrô sustentável economicamente naquele país é o de Nova York, uma cidade altamente adensada em Manhattan. Já o de Los Angeles, que é uma cidade espalhada como São Paulo, não é. Somente com a população colocando dinheiro, que é tirado de outras áreas, como política, saúde etc., e subsidiando o transporte público, ele pode operar nesses locais. Precisamos pensar em que cidade queremos, pois o transporte de massa vai ser sempre muito caro em cidades espraiadas.

Escolhas – Mas disponibilizar o acesso a bens públicos, como mais e melhores transporte públicos, deveria ser um dos objetivos primordiais de política pública no país, por conta das externalidades positivas, principalmente no campo econômico. Existe espaço para que o orçamento público no Brasil reflita essa prioridade?

Lucinda – Algumas discussões apontam na direção de não ser necessário tanto dinheiro para essas políticas, como a implantação de pedágios urbanos, que, com diferentes estruturas de preço conforme o horário, pode ajudar a melhorar a locomoção. Mas tanto medidas relacionadas diretamente ao transporte quanto ao desenho da cidade são ações de longuíssimo prazo. Para chegar a isso, é preciso manter a possibilidade de escolha das pessoas, e apenas induzindo que sigam na direção desejada pelo planejamento.

Escolhas – O Escolhas também está concluindo uma pesquisa que trata da questão do custo de se morar longe, do ponto de vista de transportes, saúde, educação e violência. É possível alterar esse modelo das cidades brasileiras, onde as populações menos favorecidas são empurradas cada vez mais longe dos centros urbanos?

Lucinda – A visão de mundo na qual as incorporadoras são capitalistas malvadas que querem fazer os pobres morarem longe não é a única explicação. Hoje há legislação que faz com que ocupar espaços sem uso no centro e reutilizá-lo seja complicado. E São Paulo é um exemplo disso. Precisaria redesenhar o marco legal da cidade para o setor privado investir no centro. Às vezes o problema não é o valor do terreno, mas o gabarito e questões institucionais (como segurança, por exemplo). Em São Paulo, existe uma massa central de infraestrutura estabelecida que não é usada porque é difícil fazer isso. É possível o mercado requalificar essas áreas, porém, há necessidade de ter legislação por trás. A iniciativa privada tem um papel no processo, mas precisa ter política pública de indução. Sem isso, o incorporador vai colocar as pessoas nas margens da cidade e vai aumentar o custo do transporte.

Escolhas – A pesquisa sobre mobilidade Escolhas/iCS mostrou, ainda, que, apesar de querer mais transporte público, a sociedade se mostra pouco compreensiva em arcar com os custos econômicos de ampliar a oferta do transporte público. Como resolver essa dicotomia?

Lucinda – Todo mundo gosta dos benefícios, mas ninguém gosta dos custos. Todos querem investimento público, mas não querem pagar impostos. No entanto, a necessidade de reduzir a participação do transporte privado/individual na matriz de transportes de São Paulo permanece. O caminho a ser seguido precisa considerar que as pessoas querem escolher como se locomover, por isso, retirar faixas das vias públicas para implantar corredores é uma medida de difícil aceitação. O rodízio também foi polêmico, mas não tanto, porque deu certa margem de escolha: a pessoa pode sair mais cedo ou mais tarde. O pedágio urbano talvez seja um trajeto, assim como criar faixas para carros com mais de um ocupante, embora haja pouco espaço para isso nas vias de São Paulo.

Escolhas – Existem outros mecanismos eficazes? Quais?

Lucinda – Políticas que envolvam preço são o caminho. Apesar das pessoas não gostarem, se for uma forma adicional para subsidiar o transporte coletivo, podem ajudar. Por isso o pedágio é melhor do que fechar vias.

Escolhas – A pesquisa do Escolhas também mostrou que existe uma migração pesada do usuário do transporte público para os aplicativos como o Uber, que não deixam de ser uma modalidade de transporte individual. Como isso pode afetar o sistema como um todo?

Lucinda – O Uber é um automóvel, mas é mais utilizado do que o carro individual, pois faz de três a quatro corridas em um dia. Se pessoas deixaram o carro em casa para fazer essas corridas, há menos automóveis na rua. Mas é preciso saber de onde estão vindo essas pessoas. Se é do transporte individual, é bom, mais eficiente. Mas se estiver tirando público do transporte coletivo, é um problema. O Uber é bem mais caro que o transporte coletivo e, se as pessoas estão preferindo gastar mais, pode ser um indicador de que o transporte coletivo seja pior do que pensamos. É um sintoma de que o sistema tem problemas que precisam ser enfrentados.

Saiba mais: Pedágio urbano ajuda a reduzir congestionamento nas cidades

 

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