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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

07 agosto 2019

8 min de leitura

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Entrevista do Mês: Luiza Karpavicius

Política contra derrubada do mogno ajudou frear a malária no Pará

Estudo mostra que monitoramento do desmatamento impactou na redução da doença e na economia de US$ 38 milhões com gastos de saúde pública nos 46 municípios avaliados entre 2009 e 2016   

A suspeita de que existe uma relação causal entre desmatamento e malária virou evidência. Usando dados do mundo real e ferramentas da econometria, Luiza Martins Karpavicius, economista recém-formada pela Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo, decidiu investigar se uma política pública contra a frenética derrubada do valioso mogno, implementada em 2009 na Amazônia, estava por trás da baixa nos casos de malária. 

A ação feita a favor da floresta, indiretamente, trouxe benefícios para a saúde de municípios do Pará, mostra o trabalho assinado por Luiza e Ariaster Baumgratz Chimeli, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia da FEA. O professor da USP orientou a então aluna na realização da monografia para conclusão do curso de graduação. 

O trabalho, que virou paper, foi apresentado por Luiza em junho na Inglaterra, em um dos principais eventos anuais de economia ambiental do mundo, a 24ª Conferência Anual da European Association of Environmental and Resource Economists (EAERE), em Manchester. A participação da jovem estudante contou com o apoio da Cátedra Escolhas de Economia e Meio Ambiente.

Em entrevista ao Escolhas, Luiza, que também atua em um grupo de pesquisa que estuda a questão de gênero na economia, comenta como foi recebida na Europa e sobre os resultados e os desdobramentos da sua pesquisa.

A economista se prepara agora para um mestrado na Dinamarca, onde vai continuar trabalhando as relações entre os números e a preservação do planeta. Tema também sempre presente no cotidiano do Escolhas. Há dois estudos recentes, relacionados mais diretamente ao tema, publicados no site do Escolhas: Qual o impacto do desmatamento zero no Brasil? e Quanto o Brasil precisa investir para recuperar 12 milhões de hectares de florestas?

Leia a seguir trechos da conversa.

 

Instituto Escolhas – Qual é a grande contribuição científica que o trabalho oferece?

Luiza Martins Karpavicius – Existem vários estudos que discutem a relação entre malária e desmatamento, alguns até na economia. Mas a maior parte dos trabalhos foca na correlação se tem mais desmatamento vai ter mais malária e vice-versa. Mas isso não implica necessariamente em causalidade. Pode ser que existam outras coisas ocorrendo em paralelo que interferem na taxa da malária. A ideia do trabalho é exatamente encontrar se existe uma relação de causa. Além disso, outra grande contribuição da pesquisa é estudar uma política pública voltada para o desmatamento e entender o impacto que ela tem para a malária. Quando o governo faz uma política contra o desmatamento, ele está preocupado com a preservação, com o ecossistema e com a biodiversidade. Mas existem outros fatores escondidos. E a malária pode ser um deles. 

 

Escolhas – O estudo não é uma simulação. Ele usou um cenário real, a partir de planos contra o desmatamento implementados na Amazônia. Quais foram exatamente as políticas que vocês consideraram?   

Luiza – Nós estudamos duas mudanças na lei. A primeira ocorreu entre 1999 e 2001, quando o governo começou a ficar muito preocupado com a questão do mogno. Como a espécie atinge preços muitos altos no mercado internacional, naquela época vieram as campanhas de prevenção dizendo que o mogno estava ameaçado de extinção. Neste contexto, em 2001, foi baixado um decreto em que qualquer extração ou comercialização do mogno estava completamente proibida no Brasil. Como a lei não foi acompanhada de ações de monitoramento, houve na verdade um grande aumento no desmatamento do mogno nos municípios que tinham bastante a madeira. O foco maior da pesquisa está na segunda politica,  de 2009, quando foi implantado um plano para diminuir o desmatamento na Amazônia, inclusive com a divulgação da lista dos municípios que mais desmatavam. Este plano promoveu um maior monitoramento na região, o que fez com que o desmatamento diminuísse ainda mais nos municípios que tinham mogno. O que eu fiz foi usar a diferença destas duas leis em relação ao desmatamento e medir se isso ocorreu também com a malária. Eu precisava observar se antes de 2009 havia uma taxa maior de malária nos municípios com mogno e, em seguida, se ela havia caído após a implementação da nova política. Essa foi a ideia do meu trabalho. 

 

Escolhas – Para tentar buscar essa causalidade vocês desenvolveram um modelo econométrico que isolou outras variáveis, como agricultura ou pecuária?

Luiza – O chamado modelo econométrico de diferenças foca na conclusão de que sem a primeira legislação de 1999/2001, que fez na verdade aumentar o desmatamento, as taxas de destruição da floresta e de malária ficariam parecidas nos municípios com e sem mogno. Ao comparar os dois grupos [municípios com e sem mogno no intervalo das políticas públicas analisadas], um funciona como o contra factual do outro.     

 

Escolhas – E a relação causal entre desmatamento e malária apareceu?

Luiza – Encontramos uma relação de causalidade bem forte e consistente. O modelo é robusto a várias mudanças que fizemos. Se a gente mexe um pouquinho nas amostras, tira ou coloca controle e inclui tendências, o modelo continua mostrando o mesmo sinal e a mesma significância. Após 2009, vemos uma queda de incidência de malária [na maioria dos cenários a incidência por 100 mil habitantes caiu pela metade].  

 

Escolhas – Você encontrou dificuldades para obter os dados brutos que alimentaram o seu modelo?

Luiza – Os dados sobre malária são complicados. Você tem o DataSUS, mas eles são incompletos. Existe um sistema específico para malária onde todo caso da doença que surge em um hospital precisa ser obrigatoriamente reportado. Mas este sistema não é público. Tive que fazer um pedido pela Lei de Acesso à Informação para conseguir os dados. Demorou meses para eu ter os registros de malária.

 

Escolhas – Qual foi a avaliação feita sobre as políticas públicas analisadas por vocês, a partir dos resultados de econometria que geraram? 

Luiza – Podemos dizer que o plano de monitoramento do desmatamento trouxe um benefício indireto que foi a redução da taxa de malária. Com base nos coeficientes que foram gerados conseguimos saber quantos casos de malária isso representa e estimar também quanto o governo conseguiu economizar com a diminuição dos casos da doença. Pelos nossos cálculos, entre 2009 e 2016 foram economizados US$ 38 milhões com gastos de saúde nos municípios [46 no total] do Pará com mogno. É bastante. Em uma política voltada para o desmatamento que não tinha nenhum objetivo direto de interferir nos casos de malária. Os resultados mostram como as coisas estão muito relacionadas e como uma política pública pode ter um custo/benefício escondido e que pode até ser determinante em uma decisão para implementá-la ou não.  

 

Luiza durante conferência da European Association of Environmental and Resource Economists (EAERE)

Escolhas – Como foi a sua participação no evento da Inglaterra? Como você e os seus resultados foram recebidos? Haviam muitos brasileiros? 

Luiza – Foi muito legal para ver as coisas novas que as pessoas estão fazendo, os papers que estão sendo discutidos. É um congresso só de economia e meio ambiente. No mundo, anualmente, existem dois grandes eventos. Este, da Associação Europeia de Economistas Ambientais e outro, nos Estados Unidos. Recebi muitos feedbacks interessantes da minha apresentação. Muitas sugestões sobre o meu modelo, por exemplo. Isso é sempre muito importante em qualquer trabalho de pesquisa. A maioria dos participantes era de pesquisadores sênior, alunos de doutorado ou pós-doutorado. Até onde fiquei sabendo eu era a única aluna de graduação presente. E uma das poucas brasileiras. Foi uma experiência muito legal. Conheci até um professor da Universidade de Copenhague, onde vou fazer o meu mestrado a partir de setembro.   

 

Escolhas – Sua dissertação já está definida? Por que você decidiu ir para a Dinamarca?

Luiza – Vou criar o meu projeto de pesquisa lá. São dois anos de mestrado, mas no começo temos um ciclo básico. Este programa de mestrado é bem único. Um dos poucos que existem no mundo que entra bem forte tanto em economia quanto em meio ambiente. É importante para alguém que quer trabalhar com economia ambiental ter as duas áreas bem desenvolvidas. Uma economista ambiental não pode ficar apenas na economia. 

 

Escolhas – Por que você decidiu ir para a área de economia ambiental?

Luiza – Eu gosto muito dessa parte por ser multidisciplinar. Sempre gostei bastante de meio ambiente. Desde pequena falava que era preciso preservar a Amazônia. E tem meu avô, que é engenheiro, mas que trabalha com sustentabilidade. Além disso, gosto muito de economia. Adorei a graduação, principalmente a parte da econometria, da matemática. Vai ser cada vez mais importante termos economistas conseguindo argumentar a favor da preservação e no combate às mudanças climáticas. Não basta mais você só falar em preservar porque é importante. A economia ambiental é uma área que pode ajudar bastante na fundamentação das causas ambientais. Ela pode trazer argumentos econômicos que façam sentido à lógica do mercado e aos tomadores de decisão.

 

Escolhas – Você também participa de um grupo da FEA que estuda a subrepresentação das mulheres nos diversos estágios da carreira em economia. Quais os resultados que vocês já geraram?

Luiza – Sou assistente de pesquisa no Brazilian Women in Economics. São vários estudos em andamento e o meu trabalho é oferecer auxílio às professoras, desde coleta de dados até realização de análises e exercícios econométricos. Por exemplo, uma das pesquisas atuais que fazemos é um acompanhamento anual dos centros de pós-graduação em economia do país. Coletamos informações sobre o número de professoras mulheres, o número de diplomas concedidos a mulheres em mestrado/doutorado e assim por diante. Em um outro estudo, que explorou os diferenciais de gênero dentro de um curso de economia, nós verificamos que o desempenho das mulheres é consistentemente melhor do que dos homens, independentemente da disciplina ser de exatas ou de humanas. É muito importante para entendermos o motivo de termos tão poucas mulheres economistas e o porquê dessa subrepresentação ser constante ao longo do tempo. E é muito relevante falar em mulheres na economia por um motivo muito importante: muitos economistas estão diretamente envolvidos na criação e debate de políticas públicas, portanto quando você deliberadamente mantém um grupo representativo da população fora dessa discussão você está limitando as ideias geradas. Em um campo como a economia, no qual é frequente o pluralismo de ideias, é fundamental escutar todos os lados antes de criar ou alterar uma política pública. Muitos estudos mostram que homens e mulheres economistas possuem opiniões diferentes não só em pautas de gênero, como licença maternidade, aborto e diferenças salariais entre homens e mulheres, mas também em outros tópicos como salário mínimo e desemprego.

A Cátedra Escolhas de Economia e Meio Ambiente conta com o patrocínio do Itaú.

 

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