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Por Instituto Escolhas

11 abril 2019

11 min de leitura

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Imposto da Terra: proposta para aprimorar o ITR pode gerar mais recursos aos municípios

O Brasil está deixando de arrecadar mais recursos para investir em seus municípios, é o que aponta o mais novo estudo realizado pelo Instituto Escolhas e lançado nessa quarta-feira (10/04) no auditório da Folha de S. Paulo. A publicação Imposto Territorial Rural: justiça tributária e incentivos ambientais foi realizada em parceria com os pesquisadores do Laboratório de Planejamento de Uso do Solo e Conservação (GeoLab) e Grupo de Políticas Públicas (GPP), ambos da Esalq/USP, o economista Bernard Appy e o jurista Carlos Marés com o objetivo de propor a atualização dos parâmetros para cobrança do imposto da terra no Brasil, que é bastante irrisório do ponto de vista fiscal e muito ambíguo do ponto de vista extrafiscal.

Isso porque o ITR tem como base de cálculo aquilo que se chama de Valor da Terra Nua (VTN), ou seja, o valor de mercado do imóvel excluídos os valores das construções, das instalações, das benfeitorias, das culturas permanentes e temporárias, florestas plantadas e das pastagens cultivadas ou melhoradas. Para além do fato de ser um cálculo difícil de fazer, o VTN é declarado pelo próprio dono da terra e isso gera uma depreciação do valor. Além disso, o ITR pouco atende à sua função extrafiscal, que é a de promover o uso produtivo  da terra, uma vez que os índices de produtividade usados como base para o cálculo estão defasados. É o caso da Tabela de Lotação da Pecuária, que estabelece os índices mínimos de produtividade da atividade, uma das bases de cobrança do ITR e não é atualizada desde 1980. Vale lembrar que a agropecuária é um dos setores mais relevantes da economia brasileira, respondendo por 23% do PIB do país em 2017, segundo a Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Para se ter uma ideia, apesar de haver mais de 5 milhões de imóveis rurais no país, em 2018 foram arrecadados apenas R$ 1,5 bilhão em ITR (menos de 0,1% da receita de tributos da União), um valor muito abaixo do que é gerado com o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), por exemplo, que no mesmo período, só no município de São Paulo, resultou numa receita de R$ 9,94 bilhões.

Gerd Sparovek, Arthur Fendrich, Carlos Marés e Bernard Appy apresentam o estudo ao público

Na prática, até hoje uma cobrança mais precisa do ITR não é aplicada e recentemente a Receita Federal estabeleceu critérios mais realistas para a cobrança desse imposto por meio da Instrução Normativa nº 1.877, determinando que a análise das terras só poderá ser feita por técnico legalmente habilitado e vinculado ao Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Confea) e Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (Crea), o que pode diminuir o caráter subjetivo do VTN a partir de agora.

Em sua fala de abertura, Ricardo Sennes, presidente do Conselho Diretor do Instituto Escolhas, elogiou a pertinência do tema e disse que esse é o papel da organização, que sempre se propõe a lançar um olhar cuidadoso para a questão socioambiental qualificando o debate de modo a amparar melhor as decisões em torno de políticas públicas. De acordo com Natalia Nunes, coordenadora científica e uma das responsáveis pelo estudo, o diferencial dessa pesquisa foi a equipe multidisciplinar envolvida em sua elaboração, que apresentou uma nova proposta de revisão do imposto amparada por uma tecnologia que modela espacialmente simulações de um potencial arrecadatório do ITR.

Os principais dados do estudo foram apresentados na mesa que contou com a participação de Natalia Nunes (Instituto Escolhas), Carlos Marés (advogado), Bernard Appy (Economista), Gerd Sparovek (Geolab/Esalq) e Arthur Fendrich (Geolab/Esalq).  O estudo aponta que o ITR tem um grande potencial de contribuir com o esforço fiscal necessário para que o Brasil coloque suas contas em dia, pois sua atualização injetaria até R$16,8 bi na economia.

Resultados e Cenários

O estudo traçou três possíveis cenários onde estima um aumento de arrecadação do ITR para 5,8 bilhões no cenário 1, quando passa a utilizar o valor de mercado da terra para cobrança do ITR mantendo a legislação atual, o que já seria 4,3 bilhões a mais que o ITR arrecadado em 2018; para 14,3 bilhões no cenário 2, quando além de utilizar o valor de mercado da terra, adota uma nova Tabela de Lotação da Pecuária, o que seria 12,8 a mais que a última arrecadação; ou ainda o total de 16,8 bilhões, o cenário 3 que arrecada mais, onde adota as duas medidas anteriores e uma nova fórmula econômica para se calcular o imposto, a qual corrige distorções da cobrança, cenário que traria um ganho em relação ao último ano em 15,3 bilhões. Ou seja, nos três cenários o Brasil passaria a arrecadar mais com o ITR do que arrecada hoje, algo que seria fundamental para as prefeituras, uma vez que pelo menos 50% da receita do ITR é destinada aos municípios onde está a propriedade.

A atualização da Tabela de Lotação da Pecuária realizada pelo estudo  propõe que o valor médio passe de 0,56 cabeças de gado por hectare para 1,37 cabeças por hectare, o que significa considerar que a capacidade produtiva da terra aumentou em duas vezes e meia desde 1980. Já a nova fórmula para calcular o ITR parte de uma alíquota mínima (0,2%) fixa para todas as propriedades – o que reforça a função do ITR como tributo que incide sobre o patrimônio, assim como o IPTU.

Bernard Appy

Pela regra atual, quem tem uma área total do imóvel acima de 5 mil hectares, cujo grau de utilização dela é de até 30%, esse proprietário, em tese, deveria pagar uma alíquota de 20% da base de cálculo. “Devemos acabar com as alíquotas irreais, nenhum imóvel no Brasil paga esses 20% de imposto. Em relação à utilização da terra, só a pecuária é considerada atividade produtiva na hora de aplicar a cobrança do ITR hoje, deixando de lado quem mantém áreas de preservação nativa ou quem destina uma parte da terra para a instalação de usinas eólicas, por exemplo”, disse Bernard Appy. De acordo com ele, “não estamos de fato tributando a propriedade. Na prática também não estamos induzindo-a a ser ocupada de modo produtivo”, afirmou.

Segundo Carlos Marés, “o caráter auto declaratório do imposto é um problema, não há parâmetros para existir essa cobrança de modo justo e honesto hoje. O valor de mercado do imóvel é que deveria estar sendo considerado, ainda que ele tenha valores diferentes, pois existe uma base de mercado para estimar esse valor. Além disso, a fiscalização é falha. Hoje temos uma base em torno de R$ 3,00 por hectare, o que é muito pouco em vista de um país como o Brasil”, disse.

O estudo mostrou ainda que existem áreas de terra pública com registros de declaração de ITR. Para Marés isso é o que se chama tributação da posse, quando o pagamento do imposto e até o registro no CAR (Cadastro Ambiental Rural) gera documentação e provas judiciais da posse, ainda que ela seja fruto de grilagem. “Quem produz por meio de uso capião, ou seja, alguém que dá função social à terra, ainda que não a tenha legalmente, também é beneficiado por essa documentação jurídica”, explicou. Gerd afirmou que o ITR arrecada pouco, mas de fato a tributação da posse é algo que precisa ser debatido, pois paga-se mais onde há um índice baixo de titularidade, algo que já havia sido comentado pelo jurista Carlos Marés. “O registro do CAR é uma forma de consolidar essa titularidade formal e ter mais acesso a crédito, mas o grilheiro paga o ITR e faz o CAR para justamente oficializar a sua titularidade da terra, o imposto serve, portanto, como instrumento de afirmação da propriedade. O imposto está falhando nesse aspecto”, disse o professor.

 

Carlos Marés

Nesse sentido Gerd Sparovek e Arthur Fendrick, do Laboratório de Planejamento de Uso do Solo e Conservação (Geolab/ Esalq USP), afirmam que o estudo contribui para uma maior precisão na fiscalização, pois estima o potencial de arrecadação do imposto após verificar de modo muito aproximado o imóvel, sendo capaz, inclusive, de contrapor o valor autodeclarado pelo proprietário (VTN). Segundo Sparovek, após o CAR, hoje temos condições de ter uma informação fundiária muito mais completa no Brasil. “Existe um vazio fundiário que gira em torno de 17% no país, com a modelagem simulada que fizemos nós conseguimos ir com mais profundidade até a propriedade, não paramos mais só no município. Foi possível enxergar em grande escala, algo comparado à descoberta do microscópio. A gente consegue fazer um zoom muito completo hoje. Essa questão de investigar a propriedade rural é uma área nova para o laboratório e o desafio compor a equipe do estudo coordenado pelo Instituto Escolhas foi aceito porque havia o entendimento de trazer à tona essa questão, que é um gargalo para a justiça tributária no país”, afirmou.

Appy salientou que o estudo procurou atender a três objetivos. O primeiro foi repensar a legislação para torná-la mais adequada, capaz de mitigar os problemas que o imposto tem atualmente, tornando o ITR mais compatível com o que ele precisa ser. O segundo é apontar a necessidade de atualização do indicador da pecuária, que é extremamente defasado. O terceiro é deixar disponível uma proposta, que não é a definitiva, mas um pontapé inicial daquilo que precisa ser feito. “O estudo lançado hoje não foi feito para aumentar a carga tributária do brasileiro, mas sim deixar o imposto mais eficiente e mais justo. Deixá-lo mais produtivo, melhor do ponto de vista da política ambiental e de ocupação do solo, reduzindo assim a pressão por desmatamento”, explicou o economista, um dos responsáveis pela execução técnica do trabalho.

Gerd Sparovek

Já na segunda metade do evento o debate girou em torno de como essas mudanças na cobrança do imposto impactam o país e o setor agropecuário. A mesa foi composta de Luís Carlos Guedes Pinto (ex-ministro da Agricultura) e Laura Antoniazzi (Agroícone), com moderação de Sergio Leitão (Instituto Escolhas). Dados recentes do Ministério da Agricultura publicados na revista Agronalysis da Fundação Getúlio Vargas mostram que o produto agropecuário brasileiro cresceu mais de quatro vezes entre 1975 e 2016, o que certamente contribuiu para a valorização dos preços da terra que aumentaram 308% entre 2002 e 2013.

Para Laura Antoniazzi, o tema ITR é pouco debatido, mas pode gerar bons incentivos econômicos por meio das análises que foram feitas no estudo. “Incentivar o cumprimento da legislação ambiental é um ponto fundamental, mas precisamos saber como isso pode impactar o custo de produção da pecuária típica ou da soja típica, ou ainda do ponto de vista do agricultor. Além disso, outro ponto que pode ser muito significativo é na geração de receitas para os municípios, principalmente aqueles que são voltados à produção agrícola que enfrentam dificuldades em realizar essa arrecadação”, afirmou ela que também é engenheira agrônoma e mestre em economia pela Esalq/USP. Laura acredita que o setor agrícola precisa participar desse debate e não ficar resistente por achar que vai apenas aumentar a carga tributária. “Precisamos dialogar mais com esse setor para que todos entendam a importância de fiscalizar, até mesmo para conseguir receber 100% do ITR pelas prefeituras, pois é uma base muito pequena que paga, é assustador perceber que não chegam nem mesmo a 2 milhões de pagantes”, afirmou.

Laura Antoniazzi

Appy salienta que debater esse argumento onde os tributos podem onerar o produtor é importante desde que seja definido os perfis de cada um dos produtores. “A gente percebe que há proprietários rurais que podem pagar mais do que outros. Então eu pergunto: o que é um sistema justo? O que é declarado deveria ser checado e comparado via dados georreferenciados”, disse.

Já o ex- Ministro da Agricultura, o professor Luís Carlos Guedes Pinto disse que o problema tributário da terra no Brasil vem desde as Sesmarias, quando houve as primeiras tentativas de distribuição de terra por aqui. Guedes levantou os aspectos históricos da questão que permanece sem solução até hoje. “Não temos uma política de ocupação do território nacional, precisamos de um cadastro rural mais rigoroso e entender melhor a origem da propriedade de terra no país para debater a sua tributação. Há muita inadimplência no ITR e não acontece nada com essas pessoas”, afirmou. Segundo ele, o que é a propriedade produtiva ainda não tem uma boa definição. No mês de março o Instituto Escolhas entrevistou o professor, onde ele abordou o tema do ITR dando mais detalhes sobre os desafios que o país enfrenta para estimular uma política mais justa para a questão agrícola.

Luis Carlos Guedes Pinto

Para Sergio Leitão, dir. executivo do Instituto Escolhas, a atualização da forma de cobrança do ITR trará, além de justiça tributária, uma parcela de contribuição para o país e seus municípios ficarem em dia com as contas públicas. “No universo onde todos nós buscamos justiça tributária, o ITR deveria ser tão importante quanto o IPTU, já que ambos incidem sobre um patrimônio privado, que pode gerar renda ao proprietário e cujo valor é beneficiado por políticas públicas de melhoria das condições de infraestrutura coletiva”, explicou.

 

NOVAS PROPOSTAS PARA COBRANÇA DO IMPOSTO TERRITORIAL RURAL (ITR)

– Atualização da Tabela de Lotação da Pecuária para um valor médio de 1,37 cabeças de gado por hectare, quase duas vezes e meia o número usado hoje, de 0,56 por hectare.

– Nova fórmula para cálculo do imposto:

a) parte da alíquota mínima (0,2%) fixa, como o IPTU, que incide sobre todo o valor do imóvel, exceto sobre áreas de preservação ambiental obrigatória;

b) progressiva e elimina saltos entre as faixas da tabela atual, que pode estar causando distorções no enquadramento dos imóveis;

c) torna progressiva a alíquota do ITR apenas em relação à área aproveitável, e não à área total do imóvel (com suas áreas de preservação)

– Substituição, na apuração da base de cálculo do ITR, do Valor da Terra Nua (VTN) pelo Valor do Imóvel Rural (VIR), que é o valor médio regional de mercado do imóvel como um todo, incluindo benfeitorias, culturas etc. Como o ITR é um imposto sobre o patrimônio imobiliário, não há motivo para que não incida sobre todo o valor do imóvel, inclusive investimentos nele realizados, a exemplo da cobrança do IPTU.

Sergio Leitão

O estudo completo e o sumário executivo já podem ser acessados aqui em Estudos #Escolhas.

Leia também a matéria de cobertura na Folha de S.Paulo:

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Veja mais fotos aqui: álbum FB

Vídeos:

Mesa 1: Apresentação dos principais resultados do Estudo “Imposto Territorial Rural: justiça tributária e incentivos ambientais

Mesa 2: “Mudanças no Imposto Territorial Rural e seus impactos para o país e o agro”

Debate com os convidados:

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