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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

30 junho 2022

6 min de leitura

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Escolhas Entrevista – Carolina Grottera: “Quando a conta de luz aumenta, quem tem mais recursos desliga o micro-ondas. Mas quem consome o básico, faz o quê?”

O sistema de geração, distribuição e comercialização de energia elétrica possui uma complexidade enorme, mas a maior parte das pessoas dispõe de um único indicador para avaliar seu funcionamento: a conta de luz. 

E para falar sobre o peso dessa conta no bolso dos brasileiros, conversamos com Carolina Grottera, professora adjunta da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense e doutora em Planejamento Energético pelo Programa de Planejamento Energético da COOPE-UFRJ. 

Grottera é, também, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo sobre o impacto do preço da energia elétrica na inflação e seus efeitos para a população de baixa renda, idealizado pelo Instituto Escolhas e cujo lançamento está previsto para agosto. 

 

 

Instituto Escolhas: O que a alta na conta de luz – que vem sendo mais sentida pelos brasileiros desde o segundo semestre de 2021 – revela sobre a forma como o Brasil produz e consome energia?

Carolina Grottera: Essa pergunta é bem abrangente, então vou trazer uma visão geral. Sabemos que boa parte da nossa eletricidade é gerada por hidrelétricas. Acontece que as chuvas têm diminuído historicamente em alguns reservatórios e isso – que pode ser entendido como uma consequência das mudanças climáticas – não está sendo levado em conta na expansão do sistema elétrico brasileiro como um todo. 

A diminuição da vazão de alguns reservatórios não foi antecipada no planejamento e como nosso sistema elétrico é integrado – por meio do Sistema Interligado Nacional (SIN) –  o país inteiro vai sentir as consequências disso. E, aí, recorre-se a soluções paliativas de curto prazo.

A primeira resposta do governo foi colocar uma bandeira de crise hídrica. Já tínhamos as bandeiras verde, amarela e vermelha desde 2014, mas essa última foi tão grave que foi criada uma quarta bandeira, ainda mais onerosa, em 2021. Isso em um momento de economia em baixa, ainda na pandemia. Imagina se a economia estivesse voando? Com as indústrias super produzindo? Então essa primeira medida, de curtíssimo prazo, visa fazer com que as pessoas racionalizem o consumo de energia. E a segunda medida, de curto e médio prazos, foi a contratação emergencial das térmicas. 

 

Mas se a energia das termelétricas é tão cara (como, aliás, mostrou o estudo Apagão em 2021? O Brasil repetindo os erros do passado), qual o argumento para optar por essa solução?

Existe uma distinção entre as fontes de energia renovável e energia termelétrica: a hidrelétrica só vai gerar se tiver água vazando, a eólica só vai gerar se estiver ventando, a solar só vai gerar se tiver radiação. Já a térmica não. A térmica pode ser acionada a qualquer momento, desde que a usina esteja pronta e tenha o combustível. Por outro lado, a gente não paga pela água, pelo vento ou pelo sol, mas a gente paga (e muito) pelos combustíveis que movem as termelétricas, como o gás natural. 

Então, em 2021, o governo contratou 14 usinas movidas a gás natural emergencialmente, com uma tarifa muito superior ao valor da tarifa média contratada em alguns leilões [Nota da edição: Nos leilões, acontecem as contratações de energia pelas distribuidoras]. 

Nisso, você entra num ciclo vicioso: parte dessa crise hídrica que a gente está vivendo deriva das mudanças climáticas e estamos tentando resolver a crise com a emissão de mais gases de efeito estufa na atmosfera, pois as termelétricas são muito poluentes. Então estamos cavando nossa própria cova em vários sentidos. Essa contratação emergencial das térmicas a gás vai impactar a nossa conta de luz por muitos anos.

 

Em maio, o Escolhas divulgou um documento que trazia dados da pesquisa da qual você está participando. De acordo com esse documento, as famílias de baixa renda gastam 11% do seu orçamento com despesas relacionadas à energia (eletricidade, gás doméstico, transporte público, gasolina e etanol), enquanto as famílias de alta renda gastam 5,5%. Na prática, o que isso significa?

Vamos pegar somente o consumo de eletricidade. No Brasil, o acesso a esse serviço é quase universalizado – graças tanto ao SIN quanto às políticas públicas focalizadas, como o Programa Luz Para Todos. Várias famílias com renda mensal de até dois salários mínimos consomem uma quantidade muito pequena de eletricidade, menos de 100 quilowatt por mês, apenas para atender os serviços energéticos mínimos, como manter uma geladeira e uma lâmpada. À medida que aumenta a renda familiar, vão chegando novos serviços: tv, celular, chuveiro elétrico, ventilador etc.

Quando a conta de luz aumenta muito, quem tem mais recursos tira o micro-ondas da tomada ou toma banho frio. Mas uma pessoa que utiliza apenas os serviços energéticos mais básicos, vai fazer o quê? Desligar a geladeira e deixar os alimentos estragarem? Então a situação é duplamente cruel. Primeiro porque, por mais que o consumo de eletricidade das famílias com renda de até dois salários mínimos seja baixo em termos absolutos, ele representa uma parcela do orçamento muito maior do que para uma família mais rica. Segundo porque a família de baixa renda não tem margem para reduzir o consumo e nem mesmo para comprar aparelhos mais eficientes energeticamente, que costumam ser mais caros. 

 

Na pesquisa, você também fala sobre o efeito cumulativo da eletricidade na inflação – ou seja, os preços aumentam porque todas as instâncias vão repassando o aumento da tarifa de eletricidade adiante, até chegar ao consumidor final. Se a gente resolver a crise energética, acontece o efeito reverso? As coisas voltam a ficar mais baratas? 

Essa é uma excelente pergunta. A Niágara Rodrigues, que é coautora do estudo na parte de combustível, usa a seguinte metáfora: o preço sobe como um foguete quando o custo aumenta, mas desce como uma pena. Eu me arrisco a dizer que isso se aplica ao setor de energia também. 

Mas tem uma diferença. É claro que o dono do posto de gasolina tem que ficar de olho na concorrência e, portanto, ele não pode aumentar o preço na bomba o quanto quiser. Porém, para a eletricidade, existe uma certa inelasticidade da demanda. O que isso significa? Que, se o preço sobe muito, as pessoas vão tentar cortar aqui, desligar o ar-condicionado, tirar o micro-ondas da tomada, mas elas não vão parar de consumir serviços básicos. Se o preço sobe 20%, as pessoas dificilmente vão reduzir a demanda delas em 20%. Neste caso, a redução na demanda é menos proporcional ao aumento de preço. Por isso, também, a eletricidade está pesando mais no bolso. 

 

A redução imediata dos encargos também é uma proposta trazida pela pesquisa, que provocaria uma redução de 8,5% no gasto médio com eletricidade. Por que reduzir encargos é tão importante neste caso?

Quando você coloca um encargo qualquer na conta de luz, a tendência é que ele fique lá para sempre. Se o lobby do carvão conseguiu colocar lá um penduricalho de incentivo ao setor de carvão na conta de luz, dificilmente isso vai sair de lá, porque não é algo que precisa ser aprovado todo ano como o orçamento da União. Além disso, a conta de luz é uma boa fonte de arrecadação de impostos, porque todo mundo precisa de eletricidade.

Então os impostos foram crescendo, os encargos foram crescendo e muitos deles não fazem o menor sentido, como o incentivo para o setor de carvão. Eu e todos os meus vizinhos estamos pagando um pouquinho de subsídio para o carvão na nossa conta de luz, contribuindo ainda mais para a crise climática e etc. É um contrassenso completo. 

Por fim, tem outros incentivos e subsídios que são importantes, mas não precisam estar na conta de luz e, portanto,  não precisam estar sendo pagos por todos que consomem eletricidade no Brasil. 

 

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