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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

11 janeiro 2017

5 min de leitura

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Entrevista do mês: Sandra Paulsen

Economista ambiental com atuação na Agência Sueca de Proteção Ambiental e no Ministério do Meio Ambiente Sueco, a conselheira do Instituto Escolhas Sandra Paulsen acredita que quantificar economicamente as questões ambientais é um desafio que precisa ser enfrentado e que a Cátedra de Economia e Meio Ambiente lançada pelo Escolhas pode ajudar a construir dados que hoje não existem ou não estão disponíveis da forma necessária para serem usados pelos tomadores de decisão. Segundo a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), “se mantivermos a separação rígida entre ciências naturais e sociais, vamos continuar cultivando essa dupla ignorância”.

Escolhas – O que é a economia ambiental e como você passou a trabalhar com esse tema?

Sandra Paulsen – Não venho da área ambiental. Fiz curso de economia na Universidade Federal de Brasília voltado para políticas públicas e mestrado em economia internacional. A questão de meio ambiente chegou para mim quando fui passar uma longa temporada no Chile e fiz um curso de programação macroeconômica, no qual havia um professor de economia agrícola que mexia com o tema ambiental na América Latina. A partir daí, percebi que, em tudo o que estudávamos, víamos situações nas quais o mercado não funciona e o Estado precisa investir, como a poluição, por exemplo. Vi que essas coisas eram maiores e estavam se transformando em problemas com os quais a economia tradicional não lidava. Foi assim que, no início de 1990, descobri a economia ambiental. Ela tenta explicar porque aparecem problemas ambientais, como melhorar qualidade ambiental e como utilizar instrumentos de políticas econômicas para que os agentes econômicos adotem as medidas necessárias. Ela aplica teoria econômica aos problemas ambientais e de recursos naturais.

Escolhas – Por que resolveu trabalhar com a questão dos oceanos?

Paulsen – Quando fui fazer doutorado, minha ideia era estudar a Mata Atlântica. Sou do sul da Bahia e descobrir a economia ambiental me fez ver meu lugar natal de outro jeito, com outros olhos, os de cientista. Vendo como os ecossistemas estão impactados, me animei a estudar essa região. Mas fui para a Suécia e não consegui financiamento para Mata Atlântica, mas sim para ecossistemas costeiros no Atlântico Norte. Achei que valia a pena. Fui estudar o problema da eutrofização do Mar Báltico, um mar com pouca circulação de água (é muito fechado), pouca salinidade e receptáculo de matéria orgânica. O governo sueco queria encontrar formas de recuperação de áreas, que filtrassem a água antes de chegar no mar, com incentivos ao produtor rural. Depois fui para a costa oeste da Suécia, onde o tema era como a perda de qualidade dos oceanos estaria influenciando a indústria pesqueira, em áreas que são berçários de uma espécie de linguado, que tem diminuído de tamanho. Fui pesquisar junto com ecólogos para tentar quantificar o que significava a deterioração do berçário na lucratividade da indústria pesqueira.

Escolhas – E quais impactos foram identificados?

Paulsen – A indústria pesqueira se baseia em biomassa (ou seja, na existência de peixes). É uma indústria que se capitalizou com barcos, equipamentos. Hoje tem um excesso de capacidade instalada e a matéria-prima está minguando. No mundo todo, os oceanos sofrem com a mudança climática, que tem aumentado a temperatura oceânica; com a poluição em todos os níveis, que provoca acidificação, acúmulo de sedimentos e mudança na bioquímica da água; e com o aumento da ocupação nas zonas costeiras e úmidas. Com isso, temos um quadro de berçários de espécies marinhas destruídos, que são os mangues e os recifes de coral. A biomassa disponível para pesca vem diminuindo ao longo dos anos. A grande indústria pesqueira tem tido menos lucros e algumas fecharão (o que já está acontecendo). Sem contar que isso está também afetando as populações que vivem da pesca de subsistência e artesanal. Esses problemas têm afetado também a saúde dos recifes de corais, inclusive na costa brasileira, onde estão 95% dos recifes do Atlântico Sul. Eles têm diversas funções, entre as quais proteger a zona costeira da erosão e do avanço do mar.

Escolhas – A perspectiva da economia ambiental, de fazer a ponte entre meio ambiente e seus impactos socioeconômicos, está alinhada com os objetivos do Instituto Escolhas. Como você vê esta proposta de atuação?

Paulsen – O interessante no Escolhas é que, sendo uma ONG ambiental, escolheu uma pegada que permite integrar questões ambientais dentro de políticas públicas de uma outra maneira. A forma do Escolhas me é particularmente atraente porque venho trabalhando há 25 anos para fazer a temática ambiental ser mainstream na Economia. A proposta do Escolhas de quantificar as questões ambientais é um desafio a mais, porque significa conseguir dados e informações que possam ser utilizados do ponto de vista econômico. Hoje esse tipo de dados não existe ou não está disponível da forma que necessitamos. Eles precisam ser construídos ou adaptados para que o tomador de decisão possa usar, esteja ele em um banco, numa empresa ou na administração pública (em todas as instâncias).

Escolhas – O Instituto acaba de lançar, em parceria com o Insper, uma Cátedra de Economia e Meio Ambiente. Como ela pode ajudar a construir esse mainstream de que você fala?

Paulsen – Integrar temas ambientais à economia é muito importante no Brasil e uma das primeiras coisas que faltam para economia é conhecimento básico de ecologia. No doutorado, estudei ecologia, ecologia marinha e ecologia urbana. O economista precisa ter algum nível de exposição à ecologia de ecossistemas para facilitar a compreensão do tema que está tratando, e os cientistas naturais precisam entendem que tipo de informação o economista precisa para fazer estudos que possam balizar a tomada de decisão. A cátedra pode trazer essa visão integrada para estudantes. Se mantivermos a separação rígida entre ciências naturais e sociais, vamos continuar cultivando essa dupla ignorância. Estamos tratando de sistemas socioecológicos. Todo o planeta está afetado pela presença humana. Somente em seu imenso litoral, o Brasil tem problemas sérios com a mudança do uso da terra, afetando os mangues, áreas costeiras e recifes de corais. São temas cruciais que precisam de maior compreensão.

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