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Entrevistas


Por Instituto Escolhas

01 julho 2016

6 min de leitura

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Entrevista do mês: Bernard Appy

Para Bernard Appy, diretor no Centro de Cidadania Fiscal (CCF), o estudo do Instituto Escolhas Impactos Econômicos e Sociais da Tributação do Carbono no Brasil, teve o objetivo de discutir a criação de um novo imposto sem maior carga tributária. “O estudo queria também combater a noção de que a tributação do carbono pode comprometer a competitividade nacional”, disse o economista, para quem o sistema tributário brasileiro precisa corrigir distorções que trazem impactos negativos na economia e na distribuição de renda. Appy foi secretário executivo, secretário de Política Econômica e secretário extraordinário de Reformas Econômico-Fiscais do Ministério da Fazenda, e diretor de Estratégia e Planejamento da BM&F Bovespa, e é conselheiro científico do Instituto Escolhas.

Escolhas – O que é o Centro de Cidadania Fiscal e como ele atua?

Bernard Appy – O CCF é um think thank independente, cujo objetivo é contribuir para melhorar a qualidade do sistema tributário no Brasil e para o sistema de gestão fiscal brasileiro. Atuamos há um ano, com projetos que podem ser muito amplos. Uma parte do trabalho é na formulação e desenvolvimento de propostas, e outra na de convencimento – participação em debates sobre os temas, tentando contribuir, seja defendendo nossas propostas ou fazendo que a discussão seja a melhor possível para o país.

Escolhas – Como podemos melhorar o sistema tributário no Brasil?

Appy – O sistema tributário brasileiro tem grandes distorções com várias consequências indesejadas, com impacto negativo na economia, ou seja, faz o país crescer menos, e impactos distributivos negativos. É um sistema ruim também para democracia, porque as pessoas não sabem o quanto pagam de imposto. Podemos corrigir essas distorções, com um sistema mais eficiente, mais justo, mais transparente e mais simples. Aliás, a grande consequência da mudança é tornar o sistema menos complexo. Hoje, o que sai na nota fiscal é um chute. Propomos começar do zero. Na área de bens e serviços, por exemplo, há um padrão internacional estabelecido, que é o imposto sobre valor agregado (IVA), um tributo simples, não cumulativo. É um imposto sobre consumo, no qual o consumidor vê o que foi pago ao longo do sistema produtivo. O único país relevante que não tem IVA são os Estados Unidos. A Europa, o Japão, a China e o Canadá adotam esse sistema.

Escolhas – Seria muito complicado adotar o IVA no país?

Appy – O que estamos propondo é que a melhor forma de corrigir as distorções no sistema brasileira seria pegar ICMS, ISS, PIS/Cofins e criar tributo novo no padrão IVA, que seria introduzido aos poucos. No final do processo, acabariam os impostos velhos e teríamos um novo, sem alterar a carga tributária. Não queremos aumentar a arrecadação. É uma solução simples, mas que nunca foi pensada. Como toda ideia nova, demora tempo para ser assimilada, mas o grau de aceitação tem sido grande. No resto do mundo, essa é uma questão superada. Há discussão sobre imposto de renda, que é mais complicado, mas não sobre o IVA.

Escolhas – E quais são os problemas na área de gestão fiscal? Quais são suas consequências?

Appy – O Brasil tem hoje vários estados quebrados, sem pagar funcionários, e a dívida pública está em trajetória explosiva. Se nada for feito, essa situação levará ao calote ou à inflação alta. Além disso, o país tem um sistema descoordenado de decisões que afetam as despesas públicas, mesmo que, às vezes, pareçam do bem. Por exemplo, há dois anos, o Plano Nacional de Educação Pública determinava que o país deveria gastar 10% do PIB com educação. Hoje estamos em 6%, mas ninguém diz de onde sairão esses recursos. Outro exemplo é a Regra 85/95 da Previdência, que prevê aposentadoria integral para mulheres cuja idade mais tempo de contribuição para o INSS somem 85 e o mesmo para homens com soma de 95. Também aí ninguém diz de onde virá o dinheiro. É um sistema pro-cíclico: quando a economia vai bem, se é obrigado a gastar mais (parte da receita é para saúde e educação), mas quando a economia cai, não dá para cortar.

Escolhas – Quais são as soluções propostas pelo CCF para esses problemas?

Appy – Para melhorar a gestão fiscal é necessário trazer o tema para um debate democrático, no qual fiquem claras as escolhas que devem que ser feitas: para gastar mais em um lugar, precisa gastar menos em outro. Tornar o debate mais democrático e transparente vai melhorar a política brasileira. O Congresso brasileiro é ruim porque aqui todos são a favor de mais gasto e menos imposto, o que não é possível. No mundo, escolhemos entre menos gasto e menos imposto ou mais gasto e mais imposto. Temos um projeto voltado para montar um sistema de progressão de contas fiscais de longo prazo, para que as pessoas entendam que, se o que temos de gasto não paga as contas do país, temos que escolher: queremos nos aposentar mais cedo com maior carga tributária ou nos aposentar mais tarde, pagando menos impostos? Uma crise fiscal, como a atual, prejudica muito o crescimento do país. Às vezes, é melhor gastar menos hoje e poder crescer mais e, no futuro, poder ter menos política pública. Para cada aposentado hoje, há 5,6 pessoas ativas; em 2060, para cada aposentado, haverá 1,8 pessoa em idade ativa. Pelo mesmo motivo, a Grécia cortou a aposentaria em 30%.

Escolhas – Um estudo do Instituto Escolhas sugere que é possível fazer mudanças no PIS/Cofins
para se criar um imposto sobre carbono sem aumentar a carga tributária. Isso é possível? Que vantagem poderia trazer ao país?

Appy – O objetivo do estudo é diminuir a forte reação à tributação de carbono. O Escolhas quis mostrar que criar um tributo de carbono e compensar com a redução de outros impostos, sem aumentar o total de tributos, pode levar ao crescimento econômico, com impactos positivos, a partir de métodos menos poluentes de produção. O que se queria era discutir um novo imposto sem maior carga tributária. O estudo queria também combater a noção de que a tributação do carbono pode comprometer a competitividade nacional. E mostrou, de forma preliminar, que se pode desonerar na exportação e onerar os importados. O que queremos é que o consumidor brasileiro pague mais por produtos intensivos em carbono e menos pelo que não é intensivo. O ideal seria que o mundo inteiro adotasse isso. Mas dá para fazer compensações para anular efeitos sobre a competitividade. O estudo queria mostrar que é possível minimizar efeitos negativos de nova tributação.

Escolhas – Fugindo um pouco da questão apenas tributária, quais são, na sua opinião, as grandes escolhas que o país precisa fazer?

Appy – Sob o ponto de vista ambiental, definir metas para questões relacionadas ao meio ambiente: emissões, geração de resíduos, redução da poluição, uso adequado de recursos hídricos. A grande questão é quais são os melhores instrumentos para induzir o cumprimento dessas metas. Vejamos os resíduos sólidos, por exemplo. Há uma discussão sobre se governo deveria dar incentivo para reaproveitamento de resíduos. Acredito que é um erro, pois o mercado já faz isso sem incentivo. Só dará lucro para quem já está fazendo. Seria melhor estabelecer multa ou imposto para resíduos não recuperáveis e deixar o setor se virar e encontrar um jeito de diminuir o descarte. Isso geraria menos custo social. Na questão ambiental, minha função é ser chato. Alguém tem que fazer papel de cobrar que se discuta quem vai pagar a conta. No Instituto Escolhas, minha missão é ajudar a trazer temas para discussão e evitar uma visão enviesada da realidade.

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