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Por Instituto Escolhas

25 novembro 2020

6 min de leitura

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Produção agrícola na Região Metropolitana de São Paulo pode alimentar 20 milhões de pessoas

Lançamento do estudo, elaborado pelo Instituto Escolhas em parceria com o Urbem, foi realizado em seminário online com a Folha de S. Paulo

Formada por 39 municípios, a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é uma grande produtora de alimentos. E pode ser ainda mais. Este é um dos principais resultados do estudo “Mais perto do que se imagina: Os desafios da produção de alimentos na metrópole de São Paulo”, desenvolvido pelo Instituto Escolhas em parceria com o Instituto Urbem e apoio da Porticus.

O estudo foi lançado nessa terça-feira, 24 de novembro, em um seminário virtual realizado em parceria com a Folha de S. Paulo e contou com a apresentação de Marcela Ferreira, (pesquisadora do Urbem e uma das responsáveis pelo estudo), seguido de debate entre importantes nomes do setor, como Fernando de Mello Franco (ex-secretário de Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo), Gustavo Chianca (representante adjunto da FAO no Brasil), Jaqueline Ferreira (gerente de projetos e produtos do Instituto Escolhas) e Zilma Borges (professora da Fundação Getúlio Vargas). A mediação foi do jornalista Bruno Blecher. Houve ainda a participação do coletivo Entrelinhas, que fez a facilitação gráfica do evento (veja imagem abaixo).

Resultados surpreendentes

De acordo com Marcela Ferreira, no início do estudo a possibilidade de abastecer São Paulo com produtos locais parecia uma realidade bem distante. Porém, após a análise dos dados e de diferentes cenários, a perspectiva mudou e “nossa conclusão é que é, sim, possível abastecer a metrópole com legumes e verduras produzidos localmente”, afirmou a pesquisadora.

O estudo pegou como base 200 hectares cultivados em propriedades modelo situadas dentro da cidade e calculou que tal espaço poderia fornecer verduras e legumes para cerca de 80 mil pessoas (ou 24 mil famílias), além de empregar mil trabalhadores. Para se ter uma ideia, essa área equivale aos terrenos vagos no distrito de Sapopemba e as 24 mil famílias beneficiadas equivalem a 1,5x o número de cadastros no Programa do Bolsa Família no mesmo distrito. “Essas famílias em maior vulnerabilidade poderiam receber alimentos por meio do Programa de Aquisição de Alimentos, por exemplo”, diz Marcela.

Os dados são ainda mais animadores quando se fala da área periurbana: os 60 mil hectares cultivados em “propriedades modelo” nas áreas próximas à cidade, fora da malha urbana, teriam o potencial de abastecer com verduras e legumes cerca de 20 milhões de pessoas por ano, praticamente toda a população da metrópole, além de criar 180 mil novos postos de trabalho.

Por outro lado, se os números animam, também evidenciam a dimensão do desafio. A RMSP é a maior metrópole da América Latina. Cerca de 1,3 milhão dos habitantes trabalham diretamente com alimentação para atender um contingente que corresponde a 10% da população nacional. A maior parte desse comércio acontece pelo chamado circuito longo, em que há mais de um intermediário entre o produtor e o consumidor. Porém, para que o modelo do estudo seja possível, uma das ações necessárias é fortalecer o comércio direto ou com até um intermediário entre o produtor e o consumidor, diminuindo o número de atravessadores e aumentando a renda para quem produz. Esse é o chamado circuito curto, caracterizado muito por feiras ou associações de produtores, por exemplo.

“A agricultura urbana e periurbana com propósito comercial tem viabilidade econômica e pode ser praticada de forma sustentável, inclusive atingindo uma participação relevante no abastecimento. Mas, para que isso seja possível, várias medidas precisam ser tomadas”, ressalta Marcela, elencando, além da remuneração adequada do agricultor e da redução do número de intermediários nas cadeias de comercialização, a transição para o manejo orgânico, o acesso à terra, a organização coletiva de agricultores e a gestão de resíduos orgânicos.

 

Soluções possíveis, urgentes e necessárias

Vitor Massao e Mariana Kz (Coletivo Entrelinhas)

 

Já durante o debate, um dos pontos mais ressaltados foi a importância do papel da gestão pública para viabilizar as medidas citadas pelo estudo. Ao mesmo tempo, predominou o entendimento de que a agricultura urbana e periurbana demanda uma visão sistêmica e com ampla articulação entre diferentes setores.

Para Zilma Borges, a discussão sobre produção de alimentos em um determinado território deve envolver outros aspectos, além da posição geográfica. Segundo a professora da FGV, isso significa “assumir que São Paulo é, também, sua zona rural” e inclui a previsão dessas ações no orçamento público, com verbas direcionadas, e a criação de um plano abrangente em que a prefeitura esteja alinhada com outras instituições:

“A gente não pode associar a agricultura centralmente à economia, mas é necessário analisar a viabilidade econômica das práticas de agricultura em novos modelos que consigam fazer com que a gente saia desse padrão de cadeia de valor e circuitos longos”, pondera Borges.

Já Gustavo Chianca, representante adjunto da FAO (Food and Agriculture Organization) no Brasil, ressaltou que o planeta vive hoje uma mudança na sua forma de alimentação, já que, apesar do número de pessoas com fome no mundo ainda ser grande, existe uma parte da população que está se alimentando mais (em maior quantidade), mas com menos valor nutricional.

“Há lugares em que isso acontece porque não há oferta de produtos saudáveis. São os chamados desertos alimentares, onde os alimentos ultra processados são a única opção. A agricultura urbana é uma solução para esse cenário”, comentou Gustavo, ressaltando a importância da conexão digital e a conexão com start-ups para o fortalecimento da produção urbana de alimentos.

A oferta de alimentos em quantidade e qualidade também fez parte da fala do ex-secretário de Desenvolvimento Urbano do Município de São Paulo, Fernando de Mello Franco, para quem a agricultura nas cidades pode contribuir para garantir a segurança alimentar das pessoas e também amenizar os efeitos da crise climática. De acordo com ele, “o quadro de emergência climática que estamos passando faz com que o campo do urbanismo comece também a olhar para a produção orgânica, conciliando os campos de conhecimento.”

Franco reforçou ainda a importância de voltar a atenção para o âmbito federal, onde o Ministério do Desenvolvimento Regional está desenvolvendo a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, que vai oferecer os instrumentos necessários para que os poderes locais possam criar e implementar políticas territoriais urbanas e periurbanas. Para isso, entretanto, é fundamental considerar a agricultura como parte da política da cidade, como afirma a coordenadora do estudo Jaqueline Ferreira, gerente de projetos e produtos do Instituto Escolhas.

Jaqueline destacou que a pesquisa identifica, pelo menos, três pontos críticos para o fortalecimento da agricultura urbana e periurbana, cuja solução depende de políticas públicas: o apoio à transição agroecológica; a importância de encurtar a distância entre produtor e consumidor, aliada ao estímulo de políticas de associativismo, e, por último, a garantia de acesso à terra, necessária para planejar a transição agroecológica.

“Agora, é preciso também falar do setor privado e da necessidade desse setor repensar suas políticas de compra. Porque muitas vezes os preços pelos quais os agricultores conseguem vender sua produção são irrisórios e acabam por inviabilizar economicamente a produção. Então a pergunta também pode ser: como o consumo urbano pode ajudar a promover formas de comercialização mais justas e produção de alimentos mais sustentáveis? E a resposta passa por mim, por você, mas também pela discussão do papel do varejo e como o varejo pratica sua política de compras e preços”, diz Jaqueline, que aponta com preocupação o esvaziamento na discussão sobre segurança alimentar e abastecimento, não só na RMSP, mas no país inteiro.

 

Leia a íntegra do estudo “Mais perto do que se imagina: Os desafios da produção de alimentos na metrópole de São Paulo” ou acesse o Sumário Executivo.

Leia também o policy brief “A produção de alimentos nas metrópoles brasileiras”.

 

 

 

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